sábado, 25 de janeiro de 2014

Um epitáfio do nosso amor

Alícia, não há mais volta! Chegamos à beirada do mais alto monte deste vale escuro e sombrio em que se transformou nossa vida. Minha sentença de morte já foi dada, agora só me resta cumprir. Estou só, mesmo enquanto sinto suas mãos frias sobre as minhas. Sinto seu perfume inebriando o quarto, seu suor tocando minha pele, seu gosto invadindo minha alma, mas não sinto você.

Ah, Alícia! Outro nome não poderia servir com tanta maestria à tua essência. Do grego, “a verdadeira”. Você destrói com as tuas verdades, fere com as palavras mais doídas e sinceras, esmaga o sentimento alheio com o que há de mais puro e autêntico. Tua boca é uma arma capaz de matar. Beijos, volúpia, sem pudor! Amante descarada deste voraz sonhador, que se esconde em meio ao receio.

Somos o avesso. Eu represento o medo, mentira, máscara, o inverso do verso. Você é coragem, prazer, verdade, honestidade, a prosa mais rica e repleta de fatos. Inteiros que se completam, consomem, amam. Devoro sua tez com a ganância de quem está faminto; corro meus dedos por suas curvas e caminhos, dando passagem ao desejo que pulsa em meu corpo, percorre meu sangue, esquenta minha vida.

Enquanto isso, rigidez. Um defunto não estaria tão frio e inerte quanto seu corpo ao (não) reagir ao meu toque, meu apelo. Com que direito me toma a vaidade? Sorrateira sua capacidade de abater minha altivez. Sinto-me menos homem ao seu lado; torno-me menos humano sob sua influência. Anseio a morte; o precipício a dois passos de mim parece fascinante! Mas tenho medo, Alícia! Posso não mais voltar depois de me jogar nesse abismo. Matando a mim, tonar-me-ei seu escravo eterno.

Serei seu tocador de lira, sua sina, seu carma… Eternamente!

              Em um último suspiro, até breve! Orpheu.

(Viviam Baddini)

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