sábado, 25 de janeiro de 2014

Eu quero o nosso clichê

Fiz nosso café da manhã, amor. Mas você estava com tanta pressa, que nem reparou nos meus cabelos arrumados, no meu vestido curto. Não viu que tingi os cabelos, a fim de te agradar. Distraído! Sempre foi assim. Só consegue enxergar aquilo que é jogado em seu colo, desdobrado em versos simples, clichês. Sua capacidade de interpretação dos meus desejos sempre foi limitada, amor. Eu sempre busco a fundo, tento enxergar além, muito além do que me diz, do que quer, do que precisa. E nessa minha busca incessante, tenho entrado por caminhos escuros e estranhos em você; descubro manhas e artifícios de uma vida de fingimentos. Cobrir os sonhos com uma manta fina de terra, pretendendo que nunca estiveram ali, é como sepultar sua alma aos poucos, cavando o buraco com uma colher, esperando definhar, secar, desistir. Fique tranquilo, amor. Não vou esquecer do nosso café da manhã. Vou perseguir seus sonhos, como se fossem meus, até que consiga ver o brilho voltar aos seus olhos, mesmo sabendo que não será mais o mesmo brilho, nem a mesma vontade. Mudamos com a volúpia do desejo de nos consumir. E consumimos! O que somos é a cinza do que fomos. Mas fogo em brasa ainda queima, amor. Por isso insisto no nosso café da manhã, porque sei que ainda somos chama acessa, pronta para incendiar na primeira rajada de vento fresco.

(Viviam Baddini)

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