domingo, 27 de setembro de 2015

Ad-verso

Ontem a noite compilei meus
Versos, destinados a um
Passado, perdidos, em vão.

Ontem a noite viajei nos
Verbos, combinei substantivos,
Conjuguei advérbios.

A nostalgia atracou-se a minha solidão;
Rimei até o que não devia.
Fiz um trato com o alvorecer:
A alegria me seria presente,
O passado, comovente, não 
Mais ferida.

Feito fera enjaulada, ontem a noite
Te esquecia, em um mar de palavras
Soltas, contorcidas.
Virei-me a cama; Morfeu acolheu-me
Em seus laços; tão confortável,
Adormeci.

(Viviam Baddini)

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

(Ins)Piração de um dia anormal

O crescimento no ser humano, infelizmente, é opcional. Existem os que são capazes de evoluir emocionalmente e racionalmente e os que não o querem fazer. Toda mudança é dolorida e traz consigo renúncias. Renúncia, inclusive, de um orgulho descabido e que é capaz de fazer o passado tomar mais importância do que o presente e o futuro. São as circunstâncias mais imprevisíveis que permitem descobrir o caráter e medir a capacidade das pessoas de se tornarem melhores do que já foram; de se colocarem no lugar dos outros; de simplesmente não julgar ou tentar apontar os erros e defeitos que a outra pessoa possa ter, antes de conhecer as circunstâncias, os medos e as feridas que esta traz consigo. Toda mudança é bem-vinda. Ainda mais se for para melhor. Regredir não é uma opção, é covardia.

(Viviam Baddini)

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Afogado

Ah, Anna…
Aquela manhã nasceu turva, preguiçosa, como se o sol dissesse que não queria acordar. Não era dia de sair da cama. Eu devia ter escutado! Mas sou “teimoso e cabeça-dura”, você dizia. Acho que não sabia o poder e domínio que possuía sobre mim. Quisera eu poder ensinar a minha menina dos olhos tristes que a vida é mais que um dramalhão mexicano ou uma nota mal conduzida por um maestro charlatão. Queria a chance de sentir a vibração do seu sorriso, o cheiro do seu cabelo; poder ver, mais uma vez, seu andar graciosamente desajeitado, toda a sua complexidade e defeitos, transformados em Anna. Só mais uma vez! Mas você se foi…

Mudou de mim, mudei de você, nós (nos) mudamos.

E o céu estava triste, carregava meu pesar. O cheiro de café fresco não invadiu meu quarto; o banheiro arrumado anunciou sua ausência. Desocupou seu lado do guarda-roupas, arrumou o lado da cama, deixou a porta entreaberta, esqueceu de esvaziar meu coração. Nuvens negras tomaram conta de mim, desaguaram lá fora, chovi em meu quarto, que costumava ser ocupado por nossos corpos nus, risos abertos, gemidos sufocados de prazer.

O pesar de nosso sepultamento sangra meu coração e lava a minha alma. Espero um dia entender seus rompantes!

Suplicantemente seu,

Fred.

(Viviam Baddini)

O adeus programado

Meu amado Fred,
Esse feixe teimoso de luz que entrou sorrateiro pela janela tomou minha alma, dominou a calma e solucei. Estava só naquela cama desarrumada, que há tempos não sentia o calor do meu corpo. Debrucei minhas dores na janela, esperando que você, apenas de relance, como uma visão ou sonho bom, tomasse os medos que me comandam e voltasse a mim. São tolices de uma amante egoísta, que não tolera repartir o objeto de adoração. Estou em êxtase. Não consigo explicar o que é isso tudo que aflora em meu âmago, tampouco sei lidar com as consequências. Entenda, meu amado, tive que partir. Essa foi a decisão mais sensata que já consegui tomar desde que cruzamos nossos caminhos, desde que seu espaço tornou-se o meu.

Entenda: precisei ir para que pudesse ficar.

O crepúsculo domará as dores e o vazio. Já não somos os mesmos, não somos. Tornamo-nos eu e você, singulares, como quando trocamos os primeiros olhares honestos. Os melhores momentos calados na primeira tempestade. Ventos uivaram forte, arrombaram as janelas e o frio se apegou ao nosso aconchego. Tudo ficou incômodo, comum, um. Não cabem dois nesse amor.

Sei que um dia vai me entender e verá que o adeus não é tão amargo, se provado junto com um copo de whisky.

Com amor,

Anna.

(Viviam Baddini)

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

E ser adulto estava ali, naquele dobrar de esquina

Crescer deveria ser uma opção. Um cartaz, um aviso, até mesmo uma placa de contramão. Pelo menos, deliberadamente, você poderia optar por um outro caminho, o avesso. Ser diferente! Os planos, as contas, os casos. Quem paga por tudo isso? O peso da vida é aquilo que decidimos enfiar na bagagem, engolir a seco, escarrar pela estrada. Uma foto nua, um vil amante, a porta entreaberta, a luz acesa. Quando as cortinas fecham, os olhares desviam, as chamas se apagam, corpos se separam.

Ao menor estalar de dedos, num piscar de olhos, tudo muda: o rumo, os olhares, as raízes. Deixa-se de ser filho, para tonar-se pai; deixa-se de ter apoio, para ser apoio. E todas as escolhas carregam o peso do exemplo. Os apegos, as cobranças e desejos brotam novamente, em outro caule, com outro viés. Ser adulto estava ali, tão perto, depois daquela rua, oculto em um beco, pronto para te assaltar e roubar tudo o que cultivara até aquele momento; quão inocente eu seria, por pensar que jamais precisaria crescer?

(Viviam Baddini)

sábado, 25 de janeiro de 2014

Fragmentos

Porta trancada
A janela tem grades
Como fugir dessa prisão em mim?
Aprisionei-me a ti
Seguro, como balanço de corda em penhasco

Suicida: alardeiam os céticos.
Ímpar: sussurram românticos.
Silêncio.
É a resposta que (não) vem de ti.

Sabotei a fuga
Sorri.

A morte parece mais doce
Cultivada aos poucos
Na calada da noite
Em um amor sufocado
Peito doído
Coração despedaçado

Só seu.
Só meu.

Só.

(Viviam Baddini)