quarta-feira, 28 de abril de 2010

Logo antes de amanhecer

Ela estava ali, sentada, distante do mundo, perdida em seus pensamentos, olhar fixo no nada ao seu redor. As pessoas, os prédios, os carros, tudo não passava de barulho e borrão. Nada chamava sua atenção. Os olhos, marejados, embaçados por uma emoção contida, querendo extravasar de seu corpo. Sofria.

A traição esmagava seu âmago. A infidelidade quebrara o que de mais precioso possuía: sua confiança. A confiança em si, a confiança no amor, a confiança na amizade. Tentava de todas as formas, mas a visão que teve naquela mesma manhã ainda inundava seus olhos, ardia seu peito, cozinhava suas entranhas e explodia em lágrimas, que teimavam em não escorrer de seus olhos.

Não sabia se era a decepção ou a traição que mais doía. Sua dor aumentava ao lembrar todas as juras de amor eterno ao pé do ouvido; o olho no olho que ela achava ser sincero, de promessas de uma felicidade completa. Mentiras. Tudo mentira. Falso.

Lembrou-se então de todas as confidências que fizera à sua melhor amiga, sobre o seu amor. Como ela expôs seus sentimentos àquela que pensou ser sua irmã de alma... Não conseguia imaginar de onde o erro partiu. Sabia apenas o que tinha visto.

Sua amiga, irmã, deitada nua, de bruços, dormindo ao lado de seu amor, nu, naquela mesma cama, que muitas vezes serviu de ninho para seus mais tórridos e quentes momentos de amor. No mesmo momento, seu chão pareceu desaparecer. Saiu sem se deixar ser vista, não queria explicações, desculpas, mentiras. Mais mentiras.

Agora, como despertando de um sono profundo, acordou assustada, no meio daquela praça. Um homem ao seu lado, com um sorriso gentil e no olhar uma preocupação genuína. Não conseguia reconhecê-lo. Não sabia se seria sua mente, que ainda não tinha despertado de seu torpor, ou se realmente se tratava de um desconhecido. Sabia apenas que o homem era charmoso e não fazia ideia de onde veio.

Ele sentou ao seu lado. Não disse nada. Tornou-se cúmplice de sua dor, sem pedir explicações, por quês. Pegou a mão dela, fria, dolorida, arrasada. Aqueceu com as suas, mornas, ternas, macias. Ela pensou que aquele fosse seu anjo. Estaria morta? Não. Ao sentir o roçar de suas pernas, um calor começou a tomar conta de seu corpo, que parecia morto e adormecido por alguma anestesia.

Seu estômago há muito sem sinal vital, pareceu revirar. Seu coração voltando a bater, descompassado, ainda muito baixo, mas batendo, tentando sobreviver. O homem, ainda olhando em seus olhos, tentando decifrar a dor, o que estaria ela sentindo. De repente, como se lesse sua mente, ela o abraçou. Ele a abraçou de volta, com seus braços envolvendo não seu corpo, sua alma.

Sentiu-se viva novamente. Via naquele estranho tanta cumplicidade, tanto carinho, que não dera por si que não sabia quem era aquele que abraçava. Subitamente um calafrio gelado subiu sua espinha e sentiu um cheiro familiar, agradável.

Pela primeira vez, desde que sentara naquele lugar, viu. Ergueu sua cabeça e seus olhos, que encontraram os dele. Viu os olhos castanhos amendoados que tentavam ler sua alma atormentada. Viu sobrancelhas perfeitas, que davam aos olhos gentis daquele homem, uma força e uma serenidade indescritíveis. O nariz perfeito e os lábios vermelhos, grossos, como se pedissem por uma carícia.

Reconheceu aquele homem, mas percebeu que pela primeira vez o via como tal. Sentiu vergonha, desejo, afeto, carinho, amor. Em um impulso, cobriu seu rosto com as mãos. Desatou a chorar. As lágrimas correram seu rosto, quentes, amigas, ligeiras. Ela percebeu que não chorava de dor, mas de desespero.

Ele percebeu sua angústia. Viu que ele era a causa daquele sentimento e sentiu uma dor lancinante em seu peito. Aquela mulher, que fora o amor de sua vida por tanto tempo, agora chorava e por sua causa. Ele segurou gentilmente o queixo dela e ergueu seu rosto o mais carinhosamente que conseguiu, até fazê-la fitar seus olhos.

Trêmulo, ele viu nos olhos dela algo estranho. Não era repulsa, ódio ou dor. Ela sentiu as mãos dele tremendo, gelando, suando e sentiu-se mal por ser o motivo, mas feliz de causar aquelas sensações nele. Naquele homem. Agora ela sabia quem era ele afinal. Recordações de uma infância vieram, sem precisar fazer esforço para lembrar.

Como nunca havia percebido que ele esteve tão presente nos momentos mais importantes de sua vida? Fora sempre seu ombro amigo, um apoio constante e acolhedor. E fora assim que ela o vira a vida toda. Um amigo, um apoio, um porto seguro. Agora percebia que ele sempre foi muito mais do que isso, sempre esperou muito mais. Ele olhou nos olhos dela e viu o que há muito tempo esperava ver. Uma chama que brilhava por ele. Sempre esteve ao lado dela, mas com a sensação de que ela não o via. Com a sensação de que não passava de uma presença, um suporte.

Ao se perderem em um olhar, finalmente se encontraram. Inundado em uma emoção que não cabia dentro dele, que transbordava e pedia passagem, sentiu-se zonzo.

Ela o abraçou novamente até sentir o coração dele bater no mesmo ritmo do seu. Como se aquele desejo fosse uma necessidade de uma vida inteira, olhou nos olhos dele e aguardou.

Ele fitou sua boca e a acariciou com seus lábios. Um beijo suave, que foi ficando mais intenso, à medida que permitiam que suas almas se entregassem. Um devorou o outro, com a ânsia de saciar todo o desejo que possuíam.

(Viviam Baddini © para o site Plano Feminino)

2 comentários:

Anônimo disse...

Oi =)

Chega o ♥ bateu forte =)linda postagem!!!

Bjs no ♥

Senhora disse...

Adorei esse texto. Parabéns!