quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Entre sonhos e números

"Um ganhador da Mega Sena foi assassinado neste domingo após reagir a um suposto assalto em Rio Bonito, no Rio". (Folha Online - 07/01/2007)

Completou 18 anos e conseguiu o primeiro emprego. Recebeu o primeiro salário. Fez a primeira aposta na loteria. Deitou-se na cama satisfeito com o que havia feito. Mas não ganhou. Ficou obcecado. Queria ganhar de qualquer forma. Perdeu o emprego em questão de dois meses. A partir de então não conseguiu se estabilizar. Ninguém o aguentava por muito tempo. Quando estava com 25 anos seu pai abriu uma empresa e o chamou para trabalhar. Tentou livrar o filho do vício.

Os anos passaram e ele conheceu uma moça. Casaram-se. Tiveram três filhos. Os filhos cresceram revoltados com o pai, que nunca esteve presente. Certa vez esqueceu o aniversário da filha e foi assistir ao sorteio pela televisão em um bar. A menina esperou o pai para a festinha de 5 anos, que não chegou. A mulher, amargurada com a falta do marido, decidiu se separar. Aos poucos perdeu, também, os amigos que tinha.

Ficou na empresa da família até aposentar-se aos 60 anos. Saiu do emprego na mesma função que começou. Passava na loteria para conferir os números, fazer apostas e acabava se atrasando. Aposentou-se, mas só do trabalho. O rapaz da lotérica conhecia até as roupas que ele usava. Estava sempre lá, fazendo apostas com números diferentes.

Morava sozinho, não tinha amigos. Nem conhecia os vizinhos. Era um homem solitário perdido entre os números. Todo mês gastava toda sua aposentadoria em apostas. Só restava o suficiente para comer. Já estava com 98 anos e morava ainda na casa que herdara dos pais. A casa estava hipotecada e em algumas semanas seria leiloada.

Alguns dias antes do leilão o grande sonho tornou-se realidade. Ganhou na loteria. Vibrou sozinho. Não tinha com quem comemorar. Nem sequer a quem contar. A ex-mulher já tinha morrido. Os filhos não podiam ouvir seu nome. Amigos, não tinha. Só restava a si.

Colocou o bilhete no bolso da calça, tremendo de emoção. Uma dor imensa atingiu seu peito. Seria felicidade? Nem conseguia ficar em pé. Não parecia felicidade. Lembrou-se de sua vida e pensou como foi tolo. Quis mais uma chance. Deitou-se no chão. Já era tarde. Não acordou. Morreu antes mesmo de ver o prêmio. Os filhos sequer souberam de sua morte. Foi enterrado como indigente. O bilhete? No caixão, em seu bolso. Aquele prêmio da loteria nunca foi resgatado.

(Viviam Baddini)

3 comentários:

Cedric disse...

Triste demais. Aliás...

Luiz Fernando Cardoso disse...

Quando uma amiga, de Curitiba, falou-me sobre como seria bom ganhar na Mega-Sena, pensei: isso realmente importa? Já perdi amigos com menos de 30, jovens, do que lhes teria valido acertar as seis dezenas. Aproveitaram a vida sem ser milionários. Um morreu saltando de para-quedas, é certo, esporte que requer grana, mas morreu feliz, em sem os milhões da loteria. Ciente de que para todos, até para mim, a vida pode acabar amanhã, tento aproveitar cada instante, sem titubear. A felicidade é um trem que não passa toda hora. Felizmente, em 2009 peguei esse trem.

Muito boa a crônica.

OTACILIO ROJAS MARTINS disse...

MORRER JOVEM DEMAIS ... E´ UMA DOR INSUPORTÁVEL PARA A FAMILIA. TENHO CASOS NA FAMILIA E REALMENTE E´ UMA DOR INCURÁVEL ...